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Fri, May

A primeira palestra foi ministrada pelo prof. Dr. Mathias Grenzer. Ele fez uma introdução a Paulo e suas comunidades, voltando-se para o tema do discipulado, elencando algumas características do discípulo missionário nas comunidades paulinas. Ser discípulo nesse contexto significa, em primeiro lugar, estar em comunhão com Cristo e também fazer uma mudança radical de vida a partir do encontro com o ressuscitado; ter uma identificação total com a paixão e ressurreição de Cristo; deixar-se ensinar por ele, cada discípulo é membro do mesmo corpo, a Igreja, que é uma realidade terrena, mas já participa da realidade celeste; a autoridade do discípulo missionário vem de Jesus Cristo, por isso ele limita sua autoridade e não se impõe; em nenhum caso ele quer dominar a fé dos outros, mas colaborar para sua alegria. Nas Igrejas paulinas prevalece o princípio da igualdade e da co-responsabilidade de todos, mesmo que com uma estrutura organizada. O discípulo é servo dos outros e se deixa equipar pelo Espírito, de forma a chegar a ter o mesmo caráter de Cristo Jesus.

A segunda palestra, a mais esperada pelos participantes do simpósio, foi proferida pelo teólogo José Comblin, Belga, que trabalha na América Latina há mais de 50 anos e é um dos teólogos mais lidos e admirados do Brasil atualmente, sobretudo, porque do alto de seus 90 anos, fala profeticamente e faz críticas ao que pensa ser necessário, sem temor. Ele iniciou esclarecendo que abordaria o tema dos ministérios e da eclesiologia a partir das epístolas autênticas de Paulo, pois as deutoro-paulinas, escritas cerca de 30 anos depois, têm muitas diferenças em relação ao que foi experienciado e pregado por Paulo. Ele abordou o tema em quatro pontos: povo de Deus, ecclesia, dons espirituais, lugar dos pobres.

Para ele povo de Deus é o conceito básico de Paulo, não se pode substituir esse importante termo por outros, como comunhão. “O que Jesus realiza é a continuidade do povo de Abraão, um povo grande, inumerável. Jesus não fundou religião, ele quis sim, libertar o povo das estruturas culturais e religiosas judaicas que ‘aprisionava’ o povo de Abraão e que significava uma traição a Abraão. Paulo foi um fiel seguidor de Jesus nesse sentido”. O intuito de Jesus e de Paulo era expandir o povo de Deus, eliminando as barreiras que não eram herança de Abraão, mas criações posteriores a ele. Jesus abriu os olhos dos que o escutavam para que houvesse um recomeço do povo de Deus de forma mais livre. O cristianismo, portanto, “não é uma religião, é um povo, uma nova humanidade; cidadãos livres, que têm direitos e quem organiza a convivência é o próprio povo”. Jesus abre as portas para que o povo de Deus fique espalhado e não confinado em um sistema territorial, étnico, religioso. E Paulo foi um grande batalhador nesse processo, pela pregação e pela ação. Paulo, escolheu para essa forma de reunião do povo, o nome ecclesia, uma palavra grega do contexto político. Ele preferiu uma palavra desse contexto, quando havia outras possibilidades ligadas aos esquemas religiosos. No contexto grego esse termo significava a assembléia do povo na cidade, a cidade governada e dirigida por seu povo, sem dominação. A tradução mais fiel desse termo para o português de hoje, é “democracia” e não “Igreja” na forma como está estabelecida.

Em seguida Comblin passou a abordar o tema “dons espirituais”, pois, segundo informou, os ministérios, conforme a concepção que hoje temos deles, não existiam nas comunidades paulinas. O que havia eram dons do espírito, os mais diversos: sabedoria, ciência, fé, profecia, dons das curas, discernimento... em condição de igualdade. Havia séries diversas, não um modelo igual que servisse para todas as comunidades e grupos. E nesse contexto, quem punha ordem?: “ninguém, a própria comunidade”. Ao tratar desse ponto ele citou o exemplo de Dom Hélder Câmara que, ao assumir a Igreja de Olina e Recife vetou o uso de duas palavras: “mandar” e “exigir”. Segundo ele isso dá mais trabalho, é preciso paciência, mas resulta em coerência com a vontade de Cristo. Paulo agia dessa forma em suas comunidades, ele não agia de forma autoritária, não ordenava, “naquele tempo não havia Direito Canônico. O Direito Canônico é a coisa mais anticristã que existe, nele os leigos não têm direito algum, é talvez a constituição mais reacionária existente atualmente. Os leigos não podem eleger o pároco, o bispo, não podem interferir na eleição do papa; se há conflitos a resolver não há tribunal.” No seu ponto de vista, “a realidade das comunidades paulinas estão muito longe da forma ministerial que hoje conhecemos, com padres e bispos” e frisou: “também hoje poderia-se questionar sobre a necessidade de padres e bispos”. Na experiência das comunidades paulinas predomina a partilha e não a dominação, também no que tange à economia, os que tinham condições compartilhavam com os que não tinham. Estamos muito longe disso. Na América Latina a realização mais próxima desse modo de vida cristã foram as Comunidades eclesiais de base, o que, em parte, é reconhecido pela Conferência de Aparecida, embora tenha havido uma “mão fantasma que fez modificações no texto”. Nos pequenos grupos é mais fácil a convivência sem imposição, embora haja conflitos também.

O terceiro ponto abordado pelo teólogo foi o lugar dos pobres na Igreja. Na sua visão, esse ponto é fundamental na eclesiologia. Na experiência de Paulo, a Igreja não é rica, é composta por pobres em sua grande maioria, por isso não precisa fazer uma opção pelos pobres, porque ela já é pobre, basta apenas reconhecer o valor do pobre. A Igreja que precisa fazer uma opção pelos pobres é porque é rica, porque abandonou os pobres. “Mas se os pobres são fracos e incapazes, como vão constituir o povo de Deus? Porque Deus escolheu o que é rejeitado, o que é considerado lixo, os grupos vão se multiplicando e a força de Deus está aí. Em toda a história da Igreja houve dificuldade de se aceitar que Deus está constituindo uma nova humanidade a partir do que é rejeitado.” Os ricos fecham as portas para Deus porque estão preocupados com si mesmos, porque não se abrem aos outros, entre os pobres é diferente, segundo ele, que vive em meio aos pobres, ele vê isso claramente no dia-a-dia. “O cristianismo iniciou com pequenos grupos marginalizados, mas 3 séculos depois eram 10% da população do império romano e os bispos reunidos em um concílio presidido pelo imperador, ‘sucumbiram’ à vontade do mesmo de fazer do cristianismo a religião oficial do império e com isso ter como que Deus apoiando o seu poder imperial.” Hoje em dia se fala em uma grande missão na América Latina, mas o documento de Aparecida não explica o que seria isso. Como poderia ser? Na visão do teólogo se trata da volta aos pobres indicada desde a conferência de Medellín. Não convém querer recuperar prestígio, poder político e econômico. Quem pode revigorar a Igreja são os pobres, isso não vai ser feito pelas paróquias, nem pelos seminários, nem pelas faculdades de teologia, “aliás, faz 800 anos que Tomás de Aquino falou que as paróquias não são missionárias e ainda estamos nisso.”

“É preciso voltar à Palavra dos primeiros discípulos, sair da comodidade das instituições que são a prisão da Igreja e voltar para onde Deus está, mas precisamos de fé e coragem como Paulo e ter fé não é recitar o credo apenas, isso é literatura, a fé se revela no modo de ser e agir. Os carismas podem se manifestar em qualquer lugar e pessoa, por que será que são menos manifestos hoje que há 30 anos atrás?”. Ao final da fala de Comblin o público presente aplaudiu entusiasticamente o teólogo.

Para encerrar o simpósio, pe. Mário Pizetta, diretor da FAPCOM (Faculdade PAULUS de Tecnologia e Comunicação), que mediou o simpósio, chamou ao palco os integrantes da comissão do ano Paulino: o junior Romilson (ssp), o diácono Jakson (ssp) e as irmãs Clarinda (pddm), Ivonete (fsp), Renilda (fsp), Edília (IJBP), mencionando os membros ausentes, irmãs Paula (apostolina) e Bernadete (fsp). Ele agradeceu o empenho da comissão na preparação do simpósio e, por fim, agradeceu e pediu palmas também para o público pela fiel presença, que lotou o auditório nas três noites do evento, e pela atenção dada a todas as palestras. A família paulina se alegrou com esse importante evento do Ano Paulino e, junto com o público, rezou um Pai nosso de mãos dadas, recebendo em seguida a benção final do Pe. José Comblin.