O carisma paulino é, essencialmente, dinâmico, moderno e, em certo sentido, encantador. Quando uma moça ou um rapaz, sob o fascínio da comunicação, ingressa em alguma de nossas comunidades seus olhos brilham e sua presença, cheia de contentamento interior, esbanja entusiasmo por onde passa. Todavia, por quanto tempo cada um é capaz de cultivar essa alegria e leveza de espírito?

Embora não exista uma receita pronta para a felicidade, tampouco para a vida espiritual, é importante considerar que, sem o consolo da escuta, da disciplina e do sentido de humor, dificilmente acharemos paz dentro da escolha que fizemos.

A escuta é a porta de acesso ao silêncio de Deus. Ela nos coloca face a face com o nosso eu interior e nos reconcilia com nossos afetos, dores e inquietudes mais profundas. Sem a escuta, nos perdemos de nós mesmos e esquecemos aquilo que é essencial em nossa busca. No contexto da vida conectada, escutar com inteireza de coração tornou-se uma espécie de batalha, da qual muitos saem perdendo. Com efeito, em meio a tanto barulho e infinitas conexões, o silêncio tornou-se um bem raríssimo, cada dia mais escasso. Fala-se excessivamente, dentro e fora das redes. A escuta quase não tem espaço nas relações interpessoais. Todos têm ânsia de contar suas aventuras, mas, no fundo, ninguém se ouve. O silêncio, dizia Henri Nouwen, “é a disciplina que nos ajuda a ir além da qualidade de entretenimento de nossa vida”.

Ouvir a opinião dos pais, dos amigos e dos formadores pode ser uma experiência relativamente fácil, o difícil mesmo é escutar a própria voz interior e, no mais profundo silêncio, discernir “o que significa a vontade de Deus para minha vida?”. Tal proeza, diga-se de passagem, só é possível pela via da disciplina, pois, como dizia Thomas Merton, “desejar uma vida espiritual é, assim, desejar disciplina. De outro modo, o nosso desejo é uma ilusão”. De fato, a disciplina interior é o caminho mais propício à maturidade e à liberdade de espírito. Entretanto, adverte Merton “o nosso ascetismo não nos deveria tornar espiritualmente rígidos, embora flexíveis, porque rigidez e liberdade não se conciliam”. Quando nos falta aquela dose diária de disciplina espiritual, aos poucos, a nossa vocação vai se esvaziando em meio à pressa e, em vez de produzir frutos de harmonia e de paz, passa a ser um peso (para nós e para os outros). Decerto, quando isso acontece, a vida religiosa já perdeu o seu encanto e a sua alegria há muito tempo.

As Sagradas Escrituras nos recordam que “coração alegre ajuda a sarar, mas espírito abatido seca os ossos” (Pr 17,22). A alegria e a leveza são frutos da vida espiritual. Quanto maior a nossa capacidade de conexão com nós mesmos, maior o nosso grau de contentamento diante da existência.  Uma pessoa jubilosa, bem-humorada e autoirônica, segundo o Papa Francisco, “consegue ser amável, mesmo nas situações difíceis. É alguém que sabe ser paciente nas tribulações e não se rende ao desespero, ainda que tudo pareça perdido. Quanto bem nos faz uma boa dose de são humorismo!”.

Que este Ano Vocacional da Família Paulina – inspirado nas palavras do Apóstolo Paulo “Reaviva o dom de Deus” (2Tm 1,6) – seja um tempo favorável à autodescoberta e ao cultivo espiritual. Que, em meio às exigências da missão, nunca nos faltem o sentido de humor e a leveza de espírito, pois, como dizia o Padre Alberione, “a quem encontrou o sentido verdadeiro e concreto da vida é fácil estar alegre”.

 

* Francisco Galvão é júnior da Província Brasil.